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A ARTE AJUDANDO A CONTAR A HISTÓRIA, VERDADEIRA OU NÃO.

  • Foto do escritor: Roni Carlos Costa Dalpiaz
    Roni Carlos Costa Dalpiaz
  • 28 de out. de 2021
  • 3 min de leitura

Sempre achei a tela “O grito do Ipiranga” (ou, seu nome original, Independência ou Morte) uma bela arte. Acho que vi pela primeira vez nos livros de história, e a cena retratada me parecia bem real. E, para mim, e meus colegas, a história contada pelos professores era a mesma estampada no famoso quadro. Mas não era. A obra encomendada por Dom Pedro II foi pintada por Pedro Américo em 1888 em Florença (Itália) e devido a falta de dados, o autor se serviu de sua imaginação e completou a obra “inspirado” pelo famoso quadro Batalha de Friedland (1875), do francês Ernest Meissonier, uma vez que pintou já se passavam 66 anos do grito do Ipiranga.

Pelo visto não é de hoje o advento das “Fake News”, isso deve ter surgido, pelo menos no Brasil, lá nos anos 1888, com a pintura de Pedro Américo.

Não sei como contam esta história hoje em dia, acredito que não mais da mesma forma que aprendi. Com a internet nos enchendo de informações seria difícil manter essa mentira criada por Dom Pedro II e Pedro Américo por mais tempo.

Guardadas as devidas proporções, existe algo parecido aqui por Torres. Temos algumas aquarelas que foram atribuídas ao grande artista plástico Jean Baptiste Debret. Elas retrataram a vila de Torres por volta dos anos 1820, pelo que se estima. São três aquarelas, a primeira, cujo nome é “Villa das Torres” eternizou o primeiro núcleo urbano da cidade, mostrando as poucas casas existentes e a igreja, ainda sem a torre. A segunda aquarela, “As Torres”, mostrava a torre do meio, a guarita e a torre sul, vistas do mar. A terceira, conhecida como “Travessia do Mampituba”, ilustrava a forma utilizada naquele período, para atravessar o rio e chegar em Torres.

Todas parecem ser verdadeiras, a falsidade pode estar na autoria. Como já escrevi anteriormente nesta coluna, alguns não acreditam que elas foram pintadas por Debret, outros dizem que foi ele quem pintou, porém não presencialmente. Dizem que ele fez as aquarelas a partir de esboços feitos pelo comerciante Nicolas Dreys, um amigo de Debret, que sim passou por Torres em 1826 ou 1828. Ou seria, ainda, esboços de outro viajante, o botânico alemão Friedrich Sellow (1789-1831), a quem Debret chamava de "meu competente amigo". Em um artigo Trespach esclarece:

“Sellow permaneceu por aqui de 1823 a 1827, período em que manteve contato com o diretor da colônia germânica de São Leopoldo, Johann Daniel Hillebrand (1795-1880), e fez "desenhos de cidades, paisagens, tipos, armas e utensílios". O alemão foi acolhido por José Fernandes Pinheiro (1774-1847), governador da província, que o transformou em professor de desenho, em Porto Alegre. Se já não o tinha feito antes, é provável que ele tenha desenhado Santo Antônio da Patrulha, Osório e Torres em abril de 1827, quando retornava à corte”.

Essa polêmica é bem interessante, porém a deixo para os historiadores. O que me chamou a atenção foi a presença de alguns elementos, ao menos estranhos, no quadro. Vi isto quando fiz uma releitura da aquarela “Travessia do Mampituba”. Olhando para a aquarela original, esses elementos estranhos me levaram a questionar se aquilo retratado tratava-se realmente da travessia do Rio Mampituba.

Procurando na internet, encontrei uma imagem com melhor definição e vi que ao fundo havia alguns morros que não pareciam ser daqui, o que, também, foi notado pelo historiador Nelson Adams Filho em seu livro “História de Torres”.

“Os morros ao fundo à direita parecem ser os existentes na região à época, mas os da esquerda não há referências”.


A primeira dúvida foi: de que lado ele retratou a travessia? Do lado de SC ou do lado do RS? Ao que parece, as figuras da pintura estão descarregando a canoa, então supõe-se que estão chegando ao destino Torres. Olhando ao fundo vê-se altos morros e enseadas que não existem do lado de SC. Poderiam ser dunas, mas olhando bem se enxerga árvores nos pés dos morros, o que nos faz descartar as dunas. Bem, poderia então ser a travessia oposta, ou seja, a chegada do outro lado do Mampituba, no estado de SC. Então aqueles morros poderiam ser os “nossos morros”. Também não, eles têm formas diferentes dos nossos. Essas dúvidas me levaram a pensar se esta travessia retratada era realmente a travessia do rio Mampituba, visto que, na época, existiam várias outras travessias em todo o país. Aqui perto mesmo existiam duas travessias, a do rio Araranguá e do rio Tramandaí, porém, nestes também não existem morros próximos. Pela quantidade de morros, a paisagem parece ser de algum lugar do litoral catarinense, acredito.

O quadro “A travessia do Mampituba” me parece meio “genérico”, podendo ser a travessia de qualquer rio, o que me leva a acreditar que, se foi Debret quem realmente pintou, certamente o fez tendo como inspiração os rascunhos de Dreys ou Selow e o completou com a imaginação e licença poética do grande artista que foi.


Fontes:https://www.museudacidade.prefeitura.sp.gov.br/sobre-mcsp/casa-do-grito/quadro-de-pedro-americo-de-figueiredo-independencia-ou-morte/;http://www.rodrigotrespach.com/2016/12/07/viagem-pitoresca-ao-litoral-gaucho/; Nelson Adams Filho, História de Torres.

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